Livro: Um Tanto Atento Sobre Tudo e Quase Nada

Uma leitura atenta dos poemas que integram este livro fenomenal intitulado Um tanto atento sobre tudo e quase nada, escrito por Luan de Oliveira, não será suficiente para extrair completamente as delícias de uma poesia madura, ritmada e adequadamente provocativa. Pelo contrário, a poesia de Luan de Oliveira exige uma leitura quase atenta, um tanto flutuante no sentido embutido em cada verso, com suas peculiares intertextualidades agradavelmente musicadas, posto que cada verso nos fala com voz suave, diretamente do lugar mais recôndito da poesia. Lugar partilhado por poetas e leitores, lugar recôndito, mas não totalmente secreto, que nos lembra de “descongelar o tempo” para experimentar o amor como um remédio. Porque, claro, “todo remédio é uma droga que a gente toma pra sobreviver.”

A sobrevivência está presente em antigos versos, posteriormente imortalizados por Fernando Pessoa, quando escreveu que navegar é preciso, mas viver não é preciso. Similarmente, Luan de Oliveira nos mostra que viver realmente não é preciso, pois não existe precisão científica que seja capaz de identificar, mensurar e matematizar o amor, com seus múltiplos efeitos sobre nossas vidas. Assim, viver é navegar à deriva, sem vento, sem âncora e sem vela. E, frequentemente, naufragar no amor “que tanto zela” em busca de alguma nova invenção. Afinal de contas, amar é arriscar-se nas profundezas de um mar incerto, revolto por uma tempestade; não é só molhar os pés nos pequenos vestígios das marés que chegam plácidas até a praia.

É suficiente? Nem sempre é suficiente nadar braças a fio para encontrar o abraço desejado, com mãos suadas e pés inquietos. Desistir, contudo, é impensável. No tocante à subjetividade humana, ainda que possa parecer frágil diante de tanto concreto brutalista que nos cerca, a poesia é um antídoto contra a solidão. Fugindo do concreto armado que desumaniza, construímos castelos que protegem as nossas memórias.

Como cientista social engajado, Luan de Oliveira nos ensina, também em linguagem poética, belamente metafórica, a ressemantização da experiência humana diante dos afetos e das memórias – coletivas ou individuais –, quando escreve sobre os signos da interioridade mais íntima:

Construo castelos de areia

que protegem memórias intocáveis

Seduzido pelo canto da sereia

mergulho em ondas inefáveis

Mesmo os cientistas sociais – que metodologicamente buscam explicações plausíveis para os fenômenos do mundo simbólico compartilhado – se convencem de que as memórias existem imaterializadas, representadas nas nossas mentes, como confessionários ambulantes das tradições. E que essas memórias não poderiam existir sem a dimensão afetiva, que faz com que o sujeito registre os signos de sua existência. De modo semelhante, o que o amante deseja daquele(a) a quem ama? Ser depositário de suas representações. Como função simbólica, ele diz: “Faz de mim confessionário de todo segredo que guardo”, porque não suporta a distância e por isso atravessa “muros e mais muros de Berlim” somente para reconhecer a imensidão poética instalada no próprio ser. Eis uma poética demolidora de muros!

No mercado das inutilidades cotidianas, poetizar é vender a alma ao que transcende e, mais do que isso, acende a chama inconsciente da intangibilidade humana, reconhecendo que todos os poemas falam sempre de amor, mesmo quando este não é nomeado. Esse segredo antigo, conhecido apenas por poetas, filósofos e psicanalistas despreocupados com rígidos métodos de pesquisa, circula na simplicidade dos versos declamados por aqueles que se entregam à intimidade do próprio ser.

O amor “faz tudo ficar bonito: mar, areia, avenida, sorriso.” Mas não se iluda, caríssimo leitor, pensando o amor romântico como modelo para o fazer poético. Nesta obra imprescindível de Luan de Oliveira, o amor é uma força motriz que atravessa a poesia, recobrindo toda a coreografia do sentido desse mergulho intrépido na interioridade. O que motiva a confissão intimista no recesso calmo da poesia é Eros, essa força motriz por detrás da existência, que gera o movimento dialético do ser poeta. Um tanto atento sobre tudo e quase nada não pode ser comparado à fotografia, pois o movimento que inicia é constante, criador de ressonâncias musicais nos “corações pequenos de gigantes”, ou nos grandes instantes que alimentam a permanência da vida – e por isso não pode ser lido atentamente, mas com afetos que flutuam como que sobre ondas instáveis.

Cada poema capta o instante, não mais do que isso. Todavia, o instante é tudo o que existe – esta é a grande sacada da poesia de Luan de Oliveira. Uma sequência de instantes, movimentados em direção àquilo que será o nosso destino final. Como Ícaros desesperados, sobrevoamos as nuvens perto do sol, deixando rastros inacabados de nossas aventuras vivificantes e, simplesmente, saltamos no vazio escuro do universo esperando flutuar. Assim, cantemos porque o instante existe e nossa vida – longe de ser completa – nos convida à poesia das derivas incertas.

Teixeira de Freitas-BA, 13 de Abril de 2025.

O livro pode ser adquirido no site da Editora Folheando.

https://editorafolheando.com.br/produtos/um-tanto-atento-sobre-tudo-e-quase-nada-poesia