É recomendável que o psicanalista, ao receber um candidato a analisando [digo candidato porque existe um percurso entre a chegada do sujeito no consultório e sua entrada efetiva em análise], conduza um processo de entrevista inicial, cujo objetivo é “avaliar as condições mentais, emocionais, materiais e circunstanciais da vida do paciente que o buscou”, no dizer de David Zimerman. Esta atitude será importante para que o analista tenha conhecimento basilar do histórico de vida do paciente.
É a partir dessa entrevista inicial que tanto analista como analisando poderão avaliar a possibilidade de empreenderem esse processo lento e dispendioso chamado psicanálise.
Da parte do analista, deve haver a preocupação a respeito do grau e o tipo de psicopatologia [não necessariamente no sentido diagnóstico do DSM-5, porém não desconsiderando completamente suas implicações], o tipo de psicoterapia mais indicada, como a psicanálise, a psicoterapia breve de orientação psicanalítica ou outro tipo de abordagem psicológica [caso a abordagem mais adequada esteja fora do domínio técnico do analista, recomenda-se encaminhar para um colega]. Outra preocupação do analista deve estar centrada em como reconhecer os possíveis efeitos contratransferenciais que a presença daquele sujeito – sessão após sessão – poderá desencadear na sua própria subjetividade.
Da parte do candidato à análise, a preocupação deve transitar na possibilidade [ou não] de empreender esse processo complexo e doloroso com aquele analista, isto é, se aquele analista é adequado a auxiliá-lo no tratamento.
Nas entrevistas iniciais, encontra-se em jogo aquilo que os analistas antigos chamavam [ou chamam – ainda não sei dizer se sou um analista antigo] de “formação da aliança terapêutica”.
Basicamente, as entrevistas iniciais são um estágio inicial da análise em que o analista faz aquilo que geralmente faz na análise, mas evitando interpretações alusivas à neurose transferencial (até porque a neurose de transferência é uma neurose artificial que se instala no decorrer do tratamento psicanalítico, possibilitando a entrada efetiva do sujeito em análise e esta neurose artificial, na etapa inicial, obviamente ainda não terá se instalado).
Interpretação nesta etapa, caso haja, deve ter um caráter mais “compreensivo”, cuja intervenção do analista apareça apenas o suficiente para que o paciente sinta estar sendo compreendido pelo analista.
Por outro lado, tanto analista quanto analisando compreendem, desde as entrevistas iniciais, que o trabalho analítico realiza-se no encontro entre duas pessoas no espaço analítico, mediadas pela palavra. Ou seja, no tratamento psicanalítico ocorre a mediação da palavra como o fenômeno próprio do não-saber envolvido no processo psicanalítico. E por isso, o espaço analítico é o lugar privilegiado que, por estar permeado de afetos, permite a emergência dos significantes, o desenrolar da transferência, a instalação da neurose de transferência e, consequentemente, a sua análise.
As entrevistas iniciais são importantes porque proporcionam ao analisando a compreensão do fato inconteste de que o processo analítico encontra-se envolto pelas construções inconscientes, além de referir-se a um processo lento e dispendioso, mas especialmente por levá-lo [o analisando] a perceber que no espaço analítico as resistências se organizam a fim de proteger o sujeito das revelações “bombásticas” de sua própria vida.
No tocante ao analista, sua função não é a de introduzir novos significantes (seja nas entrevistas iniciais ou na análise propriamente dita), mas receber os significantes envoltos no discurso do analisando, interrogando-o em suas certezas.
BIBLIOGRAFIA:
BOKANOWSKI, Thierry. A Prática Analítica. Rio de Janeiro: Imago, 2002.
JORGE, Marco Antônio Coutinho. Lacan, o grande freudiano. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
ZIMERMAN, David E. Manual de Técnica Psicanalítica: uma re-visão. Porto Alegre: Artmed, 2008.