EPIFANIA: Gozar Até a Última Gota

O verbo gozar possui significados diferentes para Freud e Lacan. Em Freud, podemos pensar no gozo como sinônimo de prazer, ainda que o psicanalista austríaco poucas vezes tenha utilizado a palavra gozo, preferindo empregar o termo prazer.

Na teoria lacaniana, o gozo comporta um sentido não necessariamente de prazer, mas de uma fusão de prazer com desprazer. Enseja, assim, a ideia de que o prazer percebido a nível inconsciente desdobra-se em desprazer a nível consciente (mais tarde Lacan desenvolveu a noção de gozo para distinguir o gozo fálico do gozo feminino).

Ou seja, o gozo lacaniano relaciona-se com a tentativa do sujeito de ir além do prazer, o que provoca, obviamente, sensação desprazerosa. E provoca esta sensação porque o prazer inesgotável simplesmente não é possível, inclusive porque a compulsão à repetição do movimento do gozo desdobrar-se-á na pulsão de morte. Exemplo: tomar uma cerveja produz certa medida de prazer, tomar muitas cervejas, compulsivamente, faz o sujeito transitar do prazer inicial para o desprazer final e poderá culminar na sua queda. Ou seja, beber até cair não é considerado uma forma de prazer, mas demonstra o imperativo do gozo [lacaniano].




No livro “A Prática Analítica“, Thierry Bokanowski assim explica: “À compulsão à repetição (que visa a um “além do princípio do prazer” e que sublinha o aspecto “demoníaco” da pulsão) vêm se juntar as pulsões de destruição, força principal que cria obstáculos ao desenvolvimento da libido” (p.17).

Assim, gozar até a última gota, embora esteja geralmente no alicerce do desejo humano, poderia implicar no último gozo, na última sensação de prazer que o sujeito experimentaria (e isso, por si só, é angustiante porque remete à inexistência, à fragmentação do ser). Seria equivalente ao esgotamento perpétuo do prazer [e do desprazer] que mantém no sujeito a persistência do desejo.

Em poucas palavras: seria a morte do sujeito desejante destinado à incompletude. Completude, neste caso, significaria o fim da busca do sujeito pelo objeto que teoricamente preencheria o seu buraco.

O mesmo se aplica ao sexo. Não existe falo que preencha definitivamente o buraco do sujeito. Se o sujeito goza é porque o buraco exige que goze. Mas gozar até a última gota equivale a não-mais-gozar. É por isso que a relação sexual não existe, porque não existe uma complementaridade no gozo. Cada sujeito goza com sua própria fantasia, enquanto “economiza” um pouco do gozo para mais tarde, permitindo-se gozar apenas o “suficiente”. Gozar até a última gota e preencher o buraco inteiro com o gozo seria um caminho sem volta.

E quem está disposto a gozar pela última vez, ainda que seja uma “gozada” extraordinária?

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