Epifania: o perverso sente-se imbroxável

“A neurose é o negativo da perversão” (Freud).

Este axioma freudiano ainda levanta muita discussão acerca do seu significado.

Naquela época, o pai da psicanálise ainda não havia formulado uma teoria completa das estruturas da personalidade (neurose, psicose e perversão), coisa que só ocorreu um pouco mais tarde, através do psicanalista francês Jacques Lacan.

Mas Freud, obviamente, estava encaminhando suas reflexões e observações nesse sentido, conforme demonstram os textos “O narcisismo: uma introdução” (1914), “O fetichismo” (1927) e “A divisão do ego no processo de defesa” (1938).

Toda essa estruturação já aparecia em germe no clássico “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” (1905), em que Freud introduz o conceito de sexualidade infantil.

Freud olhava para a perversão como um comportamento (ou um conjunto de comportamentos) desviante da norma sexual. Todavia, é necessário enfatizar que Freud não caracterizava a perversão a partir de uma censura moral ou social (como era comum à época). Sua análise da perversão era meramente descritiva, afastada de quaisquer julgamentos morais.

Com o axioma descrito acima, Freud está indicando que o perverso coloca em ato aquilo que o neurótico reprime.

Ou seja, o neurótico só pode experimentar alguns “atos perversos” através da fantasia, enquanto o perverso o pratica sem constrangimentos (se o faz escondido não é por constrangimento ou sentimento de vergonha, mas para manter a sua aparência de sujeito respeitável).

Com isso, Freud está nos dizendo que mesmo pessoas neuróticas podem apresentar fantasias perversas (veja o “Caso Dora”, por exemplo). Mas essas fantasias perversas não são tão insistentes a ponto de obrigar o sujeito a um gozo limitado àquele enquadramento sexual.

Por exemplo: um neurótico pode fantasiar com uma enfermeira e, por isso, pedir que sua parceira use um uniforme de enfermagem. Mas se a parceira não usar, isso não atrapalhará o seu prazer.

Já na perversão, o objeto fetiche é indispensável para o gozo do sujeito porque “substitui” a falta decorrente da castração, de modo que sem esse objeto, torna-se impossível.

Objeto fetiche não seria algo específico do fetichismo? E nas outras formas de perversão?

Bem, podemos entender que nas outras formas de perversão não se trata de um objeto concreto, manuseável, mas de um objeto imaginário. Inclusive, o mecanismo da perversão é o desmentido: a recusa da castração.

A partir desse mecanismo, o sujeito substitui a falta [resultante da castração] por um objeto substitutivo: o falo imaginário.

Assim, se o neurótico é limitado pelas inibições que não o permitem praticar suas fantasias, o perverso é limitado pelo objeto fetiche, que o obriga a cumprir sempre o mesmo ritual de gozo.

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